O crescimento acelerado da demanda por moradias e serviços é uma realidade comum em economias em ascensão. Ao longo da história, cidades prósperas expandiram seus limites em resposta ao desenvolvimento econômico — como aconteceu além das muralhas medievais a partir do século XVI. Durante séculos, uma cidade maior significava maior força econômica.
Com a Primeira Revolução Industrial e o surgimento do automóvel, a expansão suburbana tornou-se ainda mais intensa. Rodovias, linhas ferroviárias e transporte rápido encurtaram distâncias, permitindo que populações inteiras se deslocassem diariamente para trabalhar no centro e viver em bairros afastados. O chamado “sonho americano” — casa nos subúrbios, carro na garagem e trabalho no centro — consolidou um modelo urbano que influenciou fortemente o planejamento de várias nações.
A promessa dos subúrbios parecia perfeita: mais áreas verdes, menos densidade, mais segurança e uma suposta qualidade de vida. Contudo, a expansão urbana, apesar de lógica, não se sustenta na prática. A conexão entre casa e trabalho depende de infraestruturas caras e contínuas — algo que, como Jane Jacobs alertou na década de 1960, cria um ciclo de retroalimentação: quanto mais estradas são construídas, mais dependência do carro se gera, levando à necessidade de ainda mais infraestrutura. O resultado é um conjunto de impactos ambientais, sociais e econômicos que vão muito além da questão da mobilidade.
Uma nova mentalidade urbana no século XXI
Com o início do novo século, emergiu uma consciência global sobre sustentabilidade, mudanças climáticas e preservação de recursos naturais. A globalização e a conectividade ampliaram expectativas de qualidade de vida e impulsionaram um movimento inverso: a população começou a retornar aos grandes centros urbanos. Esse fluxo gerou desafios gigantescos para as metrópoles, que agora precisam lidar com altíssima densidade, demanda por moradias, serviços e soluções de transporte.
Segundo estimativas, até 2030, sete em cada dez moradores urbanos no mundo viverão em áreas metropolitanas. Isso significa cidades mais complexas, mais populosas e pressionadas a repensar suas estruturas.
E, embora a expansão física das cidades continue, a distância real dos deslocamentos diminuiu, graças ao transporte público. Isso reforça que soluções baseadas em sistemas coletivos — metrô, corredores de ônibus, VLTs e ciclovias — são hoje a resposta adotada em diversas regiões do mundo.
Mesmo assim, as marcas deixadas pelas décadas de prioridade ao automóvel permanecem. Em muitos locais, enormes estacionamentos e vias expressas dividiram bairros e consumiram áreas que poderiam ser parques, moradias ou espaços de convivência.
A cidade pensada para carros não funciona para pessoas
A infraestrutura necessária para sustentar um modelo de mobilidade centrado no carro é incompatível com a lógica de uma cidade viva. Rafael Trancik descreve esses vazios urbanos — especialmente os grandes estacionamentos — como “espaços perdidos”, áreas cinzentas que não atraem pessoas e não contribuem para a vitalidade urbana.
Mas cidades são, essencialmente, feitas para pessoas.
Jane Jacobs já alertava que o coração da vida urbana está no olhar humano, no movimento dos pedestres, na relação entre edifício, calçada e rua. Seus “olhos da rua” simbolizam essa interação fundamental que mantém os bairros vivos, seguros e ativos durante todo o dia.
Inspirado por essa visão, Jan Gehl reforçou décadas depois que cidades só podem ser construídas por e para pessoas. É o pedestre — não o carro — quem observa vitrines, que interage, que consome, que ativa a economia local. Um espaço urbano eficiente deve facilitar caminhadas curtas, convivência e deslocamentos seguros.
Jeff Speck acrescenta a importância de criar cidades caminháveis e critica extensivamente o predomínio dos estacionamentos nas metrópoles norte-americanas, que ocupam enormes parcelas do território, custam caro e não agregam valor social.
Densificar, misturar usos e priorizar o transporte público: o caminho das cidades do futuro
Autores, urbanistas e planejadores convergem para uma mesma conclusão: a combinação entre densidade e diversidade de usos é essencial para o desenvolvimento urbano sustentável.
As principais estratégias para cidades mais equilibradas incluem:
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Construções mais altas em regiões já urbanizadas, reduzindo a necessidade de expandir para áreas naturais;
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Transporte público eficiente, que permita a redução da dependência do automóvel;
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Bairros de uso misto, que integrem moradia, comércio, serviços e lazer em distâncias caminháveis;
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Espaços urbanos mais humanos, com calçadas amplas, ciclovias seguras, praças e áreas verdes;
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Redução dos estacionamentos em larga escala, liberando território para usos mais produtivos e sociais.
Esses princípios transformam a cidade em um ecossistema vivo, capaz de oferecer infraestrutura moderna, mobilidade eficiente, oportunidades econômicas e bem-estar — tudo alinhado aos valores contemporâneos de sustentabilidade.