A construção civil exerce um papel central nos desafios ambientais contemporâneos. O setor responde por cerca de 39% do impacto global, considerando tanto a fase de construção (11%) quanto a operação dos edifícios ao longo de sua vida útil (28%). Isso significa que cada decisão — desde o canteiro de obras até a gestão diária de um empreendimento — influencia diretamente o consumo de energia, as emissões de carbono e a geração de resíduos.
Por outro lado, essa mesma relevância traduz-se em um potencial imenso de transformação. Ao adotar práticas mais eficientes e inovadoras, a construção pode não apenas reduzir impactos, mas também impulsionar cidades mais resilientes, empresas mais competitivas e uma melhor qualidade de vida para a sociedade.
Uma das formas mais claras de entender esses impactos e agir sobre eles é observar o ciclo de vida da edificação, dividido em quatro grandes etapas:
- Planejamento e projeto
- Construção/obra
- Operação e manutenção
- Desativação/reforma
Cada fase guarda desafios específicos, mas também soluções acessíveis que reduzem custos e ampliam o valor do ativo ao longo do tempo.
1. Planejamento e projeto: onde tudo começa
É na prancheta (ou na tela do arquiteto) que surgem as maiores oportunidades de sustentabilidade. Segundo Bruno Schnellrath, Head de Negócios da Sustentech, o investimento inicial é praticamente zero: basta tomar decisões estratégicas de projeto.
- Arquitetura bioclimática: análise de insolação, ventilação natural, orientação solar e implantação. Uma escolha correta da fachada pode reduzir drasticamente a carga térmica e os custos com climatização por décadas.
- Redução de cargas térmicas: isolamento adequado, fachadas ventiladas, brises e sombreamento. Medidas permanentes, sem necessidade de substituição.
- Sistemas e tecnologias eficientes: ar-condicionado com alto COP, iluminação eficiente, automação predial e sensores.
- Materiais de baixo impacto: reciclados, recicláveis, certificados e de fornecedores locais, fortalecendo a economia regional e reduzindo emissões logísticas.
Essas escolhas, feitas no papel, geram benefícios durante 50, 60 ou até 100 anos de vida útil da edificação.
2. Construção/obra: eficiência no canteiro
A obra é o momento em que planejamento se transforma em realidade. É também onde surgem grandes volumes de resíduos, consumo de recursos e riscos de acidentes.
Boas práticas incluem:
- Gestão de resíduos (PGRCC): separação, redução e reaproveitamento de resíduos de construção e demolição.
- Uso racional da água: reaproveitamento e otimização de processos.
- Logística eficiente: priorizar fornecedores locais reduz custos, tempo e impacto ambiental.
- Segurança e saúde: um canteiro sustentável é também mais seguro, com menos riscos de acidentes, multas e interrupções.
Certificações ambientais funcionam como guias para garantir que essas medidas sejam integradas à rotina da obra.
3. Operação e manutenção: a fase mais longa
A operação concentra a maior parte do custo de um edifício ao longo da vida útil. Portanto, a eficiência nesta fase é determinante para a sustentabilidade e a economia financeira.
Soluções-chave:
- Automação e sistemas de gerenciamento predial (BMS): controle em tempo real de iluminação, climatização e consumo de energia.
- Gêmeos digitais: modelos computacionais calibrados com dados reais que simulam cenários e orientam decisões.
- Eficiência energética: equipamentos de alto desempenho com selo Procel A, sistemas fotovoltaicos (usados de forma responsável) e iluminação eficiente.
- Eficiência hídrica: medição individualizada, reuso de águas cinzas e dispositivos economizadores.
- Educação do ocupante: pequenos ajustes de comportamento podem gerar até 5% de economia de energia.
Importante: painéis fotovoltaicos não são sinônimo automático de sustentabilidade. O foco deve estar primeiro em reduzir o consumo e só depois atender à demanda remanescente com energias renováveis.
4. Desativação ou reforma: o novo começo
O fim de uso de uma edificação, seja por demolição, reforma ou retrofit, é um dos momentos mais desafiadores do ciclo de vida de um prédio. Mas também representa uma grande oportunidade para aplicar conceitos de economia circular.
Estratégias possíveis:
- Segunda vida aos materiais: reaproveitamento de componentes em novas obras.
- Planejamento para o ciclo completo: projetar considerando o fim de vida útil, facilitando reformas e desconstruções futuras.
- Design para desmontagem: soluções modulares que permitem separar componentes com facilidade.
- Materiais com potencial de reuso: insumos recicláveis desde a concepção.
- Gestão responsável de resíduos perigosos: tintas, colas e elementos químicos tratados de forma adequada.
Mudanças recentes, como a migração de escritórios para o modelo virtual durante a pandemia, mostram que planejar para o futuro é essencial. Pensar em adaptações ou desconstruções nos próximos 30 ou 60 anos é uma estratégia inteligente e sustentável.
Sustentabilidade é investimento
Da concepção ao fim de uso, cada decisão em uma edificação influencia não apenas o meio ambiente, mas também os custos dos investidores, a saúde dos ocupantes e a qualidade urbana.
Como reforça a Sustentech, sustentabilidade não é custo, é investimento. Edificações planejadas, executadas e geridas de forma responsável tornam-se mais eficientes, reduzem riscos regulatórios, aumentam seu valor de mercado e geram benefícios sociais e ambientais duradouros.
A verdadeira transformação do setor da construção civil exige enxergar a edificação em sua totalidade e atuar em cada etapa com visão de longo prazo e compromisso com o futuro.